Les Danse (1850) - William Bouguereau

 

 
  
 

 

 

A Dança
  
 

Não te amo como se fosses a rosa de sal, topázio

Ou flechas de cravos que propagam o fogo:

Te amo como se amam certas coisas obscuras,

Secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva

Dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,

E graças a teu amor vive escuro em meu corpo

O apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,

Te amo assim diretamente sem problemas nem orgulho:

Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

Senão assim deste modo que não sou nem és,

Tão perto que tua mão sobre o meu peito é minha,

Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

Antes de amar-te, amor, nada era meu:

Vacilei pelas ruas e as coisas:

Nada contava nem tinha nome:

O mundo era do ar que esperava.

E conheci salões cinzentos,

Túneis habitados pela lua,

Hangares cruéis que se dependiam,

Perguntas que insistiam na areia.

Tudo estava vazio, morto e mudo,

Caído, abandonado, decaído,

Tudo era inalianavelmente alheio,

Tudo era dos outros e de ninguém,

Até que tua beleza e tua pobreza

De dádivas encheram o outono.
 
 

 

O Ramo roubado
 
 

Pela noite entraremos para roubar

Um ramo florido.

Ainda não se foi o inverno,

E a macieira aparece

Convertida, de súbito,

Em cascata de estrelas perfumadas.

Pela noite entraremos

Até chegar ao firmamento trêmulo,

E tuas mãos pequenas como as minhas

Roubarão as estrelas.

E sigilosamente

À nossa casa,

Pela noite e na sombra,

Entrará com teus passos

O silencioso passo do perfume

E com pés entrelaçados

O corpo claro desta primavera. 
  

 


 

 XIX
  
 

Meu avô, Dom José Angel Reyes,

viveu cento e dois anos entre Parral e a morte.

Era um grande senhor rural

com pouca terra e filhos em demasia.

Aos cem anos de idade o estou vendo: nevado

era este velho, azul era sua barba antiga

e ainda entrava nos trens para me ver crecer,

em vagão de teceira, de Cauquenes ao Sul.

Chegava o eterno Dom José Angel, o velho,

para tomar um trao, o último, comigo:

sua mão de cem anos levantava

o vinho trêmulho como uma borboleta. 
  
  
  

XXI
 
 
 
 

Vivi na desordem de pátrias não nascidas,

em colônias que ainda não sabiam nascer,

com bandeiras inéditas que se ensangüentariam.

Vivi na fogueira de povos malferidos

comendo o pão estranho em meu padecimento.
 
 
 
 

  XXV
  
 

Vai se o hoje: uma cápsula

De fria luz que volta a seu recinto,

à sua mãe sombria, renascendo.

Deixo-o agora envolto em sua linhagem.

Dia, é verdade que participei na luz?

Tempo, sou parte de sua catarata?

Areias minhas, solidões!

Se é verdade que partimos,

fomos nos consumindo

em pleno sal marinho

e a golpés de relâmpago.

Minha razão tem vivido na intepérie,

entreguei ao mar meu coração calcário.
 
 

Poemas do livro Aún (Ainda) – Tradução de Olga Savary – publicado pela editora José Olympio – 5ª ed. Rio de Janeiro, 1995

 

 

 Já és minha. Repousa com teu sonho em meu sonho.
Amor, dor, trabalhos, devem dormir agora.
Gira a noite sobra suas invisíveis rodas
e junto a mim és pura como âmbar dormido.
Nenhuma mais, amor, dormirá com meus sonhos.
Irás, iremos juntos pelas águas do tempo.
Nenhuma mais viajará pela sombra comigo,
só tu, sempre-viva, sempre sol, sempre lua.
Já tuas mãos abriram os punhos delicados
e deixaram cair suaves sinais sem rumo,
teus olhos se fecharam como duas asas cinzas.
Enquanto eu sigo a água que levas e me leva:
a noite, o mundo, o vento enovelam seu destino,
e já não sou sem ti senão apenas teu sonho.

 

 

Gosto quando te calas porque estás como ausente,
e me escutas de longe, e minha voz não te toca.
Parece que os olhos te houveram voado
e parece que um beijo te lacrara a boca.

Como todas as coisas estão plenas de minha alma,
emerges das coisas plena da alma minha.
Borboleta de sonho, te pareces a minha alma,
e te pareces à palavra melancolia.

Gosto quando te calas e estás como distante.
E estás como queixando-te, borboleta em arrulho.
E me escutas de longe, e minha voz não te alcança.
Deixame que me cale com o silêncio teu.

Deixame que te fale também com teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
És como a noite, calada e constelada.
Teu silêncio é de estrela, tão longínqüo e singelo.

Gosto quando te calas porque estas como ausente.
Distante e dolorosa como se houvesse morrido.
Uma palavra então, um sorriso bastam.
E estou alegre, alegre de que certo não tenha sido.

 

(do livro "Vinte poemas de amor e uma canção desesperada")

 

 

O vento na Ilha

 
O vento é um cavalo
ouça como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me longe
Esconde-me em teus braços
por esta noite somente,
enquanto a chuva abre
contra o mar e a terra
suas incontáveis bocas.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me longe.
Com teu peito em meu peito,
com tua boca em minha boca.
nossos corpos atados
ao amor que nos queima,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e me busque
galopando nas sombras,
enquanto eu, submerso
debaixo de teus grandes olhos,
por esta noite somente
descansarei, meu amor.
 
 
 
 

Pablo Neruda

(1904-1973)

 

Pablo Neruda, poeta chileno, considerado um dos mais importantes literatos do século XX. Seu nome verdadeiro era Neftalí Ricardo Reyes e seu pseudônimo foi escolhido para homenagear o poeta tcheco Jan Neruda.

Sua obra é lírica, plena de emoção e marcada por um acentuado humanismo. Em seu livro de estréia, com apenas 20 anos, Crepusculário (1923), já se assinou Pablo Neruda que, em 1946, passou a usar legalmente.

Sua fama tornou-se maior com a publicação de Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924). Alternando a vida literária com a diplomática, Pablo Neruda era o embaixador chileno na França quando ocorreu o golpe de Estado que depôs o presidente Salvador Allende.

De volta ao Chile, sofreu perseguições políticas e morreu pouco depois, sendo enterrado em sua casa de Isla Negra, ao sul do Chile. Em sua obra destacam-se Residência na Terra (1933), España en el corazón (1937, inspirado na Guerra Civil Espanhola), Canto Geral (1950), Cem sonetos de amor (1959), Memorial de Isla Negra (1964), A espada incendiada ( 1970) e a autobiografia póstuma, Confesso que vivi (1974), um emocionante testemunho do tempo e das emoções de uma grande poeta. Em 1971, Neruda recebeu o Prêmio Nobel de Literatura e o Prêmio Lênin da Paz. Antes havia sido agraciado com o Prêmio Nacional de Literatura (1945).

 

Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft

 

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