Nymphs and Saytr (1873) -   - William Bouguereau
 
 
 
 

 
 
 

 

 
Canção da Vida
 
 

A vida é louca

a vida é uma sarabanda

é um corrupio...

A vida múltipla dá-se as mãos como um bando

de raparigas em flor

e está cantando em torno a ti:

Como eu sou bela amor!

Entra em mim, como em uma tela de Renoir

enquanto é primavera, enquanto o mundo não poluiro azul do ar!

Não vás ficar não vás ficar aí...

como um salso chorando na beira do rio...

(Como a vida é bela! como a vida é louca!)
 
 

 
 
A vida...
 

é um dever que trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê já são seis horas há tempos...

Quando se vê já é Sexta-feira...

Quando se vê passaram 60 anos!

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

Se me dessem um dia outra oportunidade,

Eu nem olhava o relógio,

Seguia sempre em frente

E iria jogando pelo caminho

A casca dourada e inútil das horas...
 
 

 
 
Bilhete
 
 

Se tu me amas, ama-me baixinho

Não o grites de cima dos telhados

Deixa em paz os passarinhos Deixa em paz a mim!

Se me queres, enfim, tem de ser bem devagarinho,

Amada, que a vida é breve, e o amor mais breve ainda...
 
 

 
 
Da Inquieta Esperança
 
 

Bem sabes Tu, Senhor,

que o bem melhor é aquele

Que não passa, talvez, de um desejo ilusório.

Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele

Na inquietação feliz do Purgatório. 
  

 

 

 Espelho
  
 

Por acaso, surpreendo-me no espelho:

Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu?

(...) Parece meu velho pai - que já morreu!

(...) Nosso olhar duro interroga:

"O que fizeste de mim?"

Eu pai? Tu é que me invadiste.

Lentamente, ruga a ruga... Que importa!

Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre

E os teus planos enfim lá se foram por terra,

Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!

Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste...
 
 

 
 
 A Verdadeira Arte de Viajar
 
 

A gente sempre deve sair à rua como quem foge de casa,

Como se estivessem abertos diante de

nós todos os caminhos do mundo.

Não importa que os compromissos, as obrigações, estejam ali...

Chegamos de muito longe,

de alma aberta e o coração cantando!
 
 

 
 
 Das Utopias
 
 

Se as coisas são inatingíveis... ora!

Não é motivo para não quere-las...

Que tristes os caminhos, se não fora

a magica presença das estrelas! 
  
  


  
 

 Se eu Fosse um Padre
 
 

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,

não falaria em Deus nem no Pecado

- muito menos no Anjo Rebelado e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas: nada das suas celestiais

promessas ou das suas terríveis maldições...

Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,

desses que desde a infância me embalaram e quem me

dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma ...

a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -

um belo poema sempre leva a Deus!
 
 

 
 
Lágrima
 
 

Denso, mas transparente
Como uma lágrima...
Quem me dera
Um poema assim!
Mas...
Este rascar da pena! Esse
Ringir das articulações... Não ouves?!
Ai do poema
Que assim escreve a mão infiel
Enquanto - em silêncio a pobre alma
Pacientemente espera.

 
 
 
 
 
A Rua dos Cataventos
 
 
Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
 
 
 
 
 
Canção de Barco e de Ouvido
(Para Augusto Meyer)
 
Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.
Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?
Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...
No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.
 
 
 
 

Mário Quintana

(1906-1994)

 

Mário Quintana nasceu em Alegrete e faleceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Modernista que não se deixou influenciar por nenhuma tendência literária, respeitando sempre sua própria poesia, criou um universo particular, caracterizado pela visão irônica e contemplativa do mundo.

Seus temas são universais: a morte, a infância perdida, o tempo, seu inconfundível lirismo é de um poeta em estado puro, numa fusão de arte e vida. Entre suas obras destacam-se A rua dos cataventos (1940), Sapato florido (1948), O aprendiz de feiticeiro (1950), Pé de pilão (1968, infantil), Esconderijos do tempo (1980) e Preparativos de viagem(1987).

 

Fonte: Enciclopédia Encarta - 2000 Microsoft

 

 
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